Mutirão atua desde 2000 no sertão brasileiro com a realização de atendimentos, exames e procedimentos médicos e odontológicos
por Mariana Lima, via Observatório do Terceiro Setor
O que começou com uma ação para levar brinquedos e cestas básicas ao distrito de Alegre, no interior da Bahia, tornou-se nos últimos 20 anos a Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) Voluntários do Sertão.
“O projeto começou pequeno, mas nunca com pouca vontade. Ano após ano, os amigos foram se reunindo, as doações crescendo e a vontade de ajudar também. Não demorou para o mutirão virar o que fazemos até hoje”, conta Marta Meire, gestora da iniciativa.
Foi a partir de 2005 que a organização, por meio do trabalho voluntário, passou a auxiliar a população vulnerável de municípios do interior da Bahia no acesso à saúde, oferecendo procedimentos médicos e odontológicos, além de pequenas cirurgias e a distribuição de kits de saúde.
Não demorou para que os mutirões passassem a ser feitos todo ano, sempre em cidades diferentes, e com duração de uma semana. Sem apoio do poder público, a Voluntários do Sertão arrecada verbas com bingos, leilões, rifas e brechós, além de promoções internas, que envolvem os próprios voluntários.
A organização também conta com o apoio de diversos parceiros que doam materiais, como insumos e medicamentos, além de custear as despesas dos voluntários durante os mutirões.
Com o passar do tempo, as equipes foram se diversificando, sendo compostas por médicos, enfermeiros, farmacêuticos, psicólogos, dentistas, pilotos, cozinheiros e motoristas.
Um destes voluntários é Rogério Martins de Azevedo, de 52 anos, que começou na organização em 2015 como cirurgião dentista, atuando na reabilitação oral dos atendidos. Em 2019, tornou-se coordenador da área de odontologia.
Natural de Ribeirão Preto, interior de São Paulo, onde a Voluntários do Sertão tem sede, Rogério ainda lembra da sensação do primeiro mutirão.
“Mesmo com toda a minha formação, fui sem saber como poderia ajudar. Logo percebi que se você tem a titulação, mas não tem a alma para encarar o projeto, você não consegue ajudar as pessoas”.
Rogério aponta que a população atendida, independentemente da cidade, sofre com diversas vulnerabilidades ao ter direitos básicos violados.
“São pessoas que dependem totalmente de uma rede pública precarizada. Às vezes, existe o posto de saúde por perto, mas as condições técnicas impedem um atendimento razoável”.
Em sua primeira participação, Rogério sentiu o impacto do trabalho que estava realizado ao atender um menino de 14 anos, na cidade de Condeúba (BA).
“Ele nunca tinha feito qualquer tratamento odontológico. A boca dele estava muito detonada. Realizamos um atendimento multidisciplinar para conseguir devolver tanto a saúde como a dignidade para aquele jovem. Chorei muito ao longo do procedimento pensando em meu filho nessa situação”, revela.
O impacto foi tão grande que Rogério não consegue se ver deixando o projeto. “Eu vou até o meu último dia de vida se deixarem. Porque os melhores abraços que recebei foram de pessoas que não me pagaram um real, mas transformaram minha vida”.
Marta aponta que o serviço prestado pela organização só funciona devido à dedicação e ao entusiasmo dos voluntários.
“O maior retorno que eles nos dão é a gratidão pela oportunidade de atuar naquilo que sabem fazer de melhor para pessoas que realmente necessitam. Voltam transformados e com vontade de fazer mais”.
Somente em 2019 foram mais de 350 profissionais voluntários (entre médicos, enfermeiros, nutricionistas, psicólogos, dentistas, advogados, entre outros) e mais de 50 empresas parceiras.

Foto: Divulgação
A realização dos mutirões de saúde e cidadania não seria possível sem a parceria com a Reurbi – Recicladora Urbana, iniciada em 2016, que transforma parte dos descartes eletrônicos de empresas em um valor a ser destinado para projetos sociais. É desta forma que a Voluntários do Sertão recebe computadores da linha de seminovos Remakker.
A doação impacta de forma evidente nas ações da Voluntários: com os computadores foi possível realizar, em 5 dias, mais de 48 mil atendimentos no mutirão de 2019.
“Com essa parceria, conseguimos que todos os atendimentos sejam registrados em sistema simultâneo e com mais agilidade e precisão. Ao final da ação, já conseguimos um levantamento de tudo que foi realizado. Antes da parceria, fazíamos manualmente, e isso impactava nos resultados”, aponta a gestora Marta Meire.
Ela cita como exemplo as cirurgias de catarata realizadas no mutirão. “Uma cirurgia dessas leva em média de 4 a 5 minutos. Então, a cada minuto perdido, com registros manuais, dados incorretos, ou atraso de qualquer natureza, é uma pessoa a menos sem voltar a enxergar”.
A organização já reuniu mais de 3,5 mil profissionais voluntários em suas ações, resultando em pouco mais de 400 mil atendimentos, exames e procedimentos médicos, odontológicos e sociais. Contudo, não foi possível realizar o mutirão em 2020 e 2021, devido à pandemia de Covid-19.
“É uma situação difícil. Nós, como voluntários, esperamos o ano todo para chegar essa semana em que vamos atuar. Mas é uma questão de responsabilidade. Queremos levar saúde até essas pessoas, não as prejudicar”, defende Rogério.
Marta revela que a organização contou com o apoio e a orientação dos voluntários, que estão na linha de frente, para tomar as melhores medidas.
“Não é seguro nem para os voluntários e nem para as populações que precisam deste auxílio. A única certeza que temos é que, quando voltarmos, vamos encontrar um cenário crítico”, desabafa.
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Este conteúdo foi produzido por meio de uma parceria entre o Observatório do Terceiro Setor e a ReUrbi – Recicladora Urbana.
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