por Victor Emídio Cardoso, via Canal Ciências Criminais
Os presos estrangeiros têm direito aos “benefícios” da Execução Penal? Questão interessante envolvendo o estudo da Execução Penal diz respeito à (im)possibilidade de extensão dos “benefícios” previstos na Lei 7.210/84 (LEP) aos estrangeiros que se encontram presos no Brasil.
Antes, porém, impende destacar que, do ponto de vista técnico, soa equivocado o emprego do termo “benefícios” quando se pretende aludir a certos direitos previstos na LEP, a exemplo da progressão de regime, do livramento condicional, das saídas temporárias, do indulto, entre outros.
Não raramente, o aludido vocábulo assume um caráter pejorativo diante da opinião pública, como se, nos dizeres de Francisco Bueno Arús, citado por Alexis Couto de Brito, “fossem ‘concessões graciosas’ da administração pública” (BRITO, Alexis Couto de. Execução Penal [livro eletrônico] / Alexis Couto de Brito. – 6. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2020, p. 71).
Ao revés disso, cuidam-se, decerto, de autênticos direitos subjetivos, condicionados ao fiel cumprimento dos requisitos previstos na legislação.
Superado esse ponto de ordem técnica e retornando ao tema proposto, é de bom tom recordar a disposição contida no art. 5º, caput, da CF/88, a qual assegura igualdade de tratamento aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país. Idêntica previsão consta no art. 4º, caput, da Lei 13.445/17 (Lei de Migração).
Como é cediço, o próprio Texto Magno excepciona as hipóteses nas quais será conferido tratamento diferenciado aos estrangeiros situados em território pátrio, como aquelas que dizem respeito à impossibilidade de alistamento eleitoral (CF/88, art. 14, §2º).
O cerne da problemática posta em discussão no presente artigo consiste em saber se, por algum motivo, o legislador estabeleceu alguma objeção quanto à possibilidade de o estrangeiro usufruir dos mesmos direitos conferidos pela LEP aos nacionais, em especial a progressão de regime e o livramento condicional.
No que diz respeito ao instituto da progressão de regime, inobstante a Lei 7.210/84 preveja, em seu art. 112, os critérios para a sua obtenção, em parte alguma o legislador veda a sua extensão aos estrangeiros. Outrossim, o Código Penal, ao tratar da execução progressiva das penas privativas de liberdade (art. 33, §2º), não faz ressalvas quanto à figura do estrangeiro.
Destarte, a Lei de Migração, em seu art. 30, §2º, prevê expressamente a possibilidade de o estrangeiro condenado criminalmente no Brasil ou no exterior por sentença transitada em julgado obter a progressão de regime, ficando o indivíduo autorizado a trabalhar quando assim for exigido pelo novo regime de cumprimento de pena.
Fiel à lógica de respeito ao princípio da isonomia, em um caso envolvendo a prática de tráfico transnacional de drogas, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região consignou o entendimento de que:
Com efeito, quando o caso envolve estrangeiro em situação irregular que ostenta em seu desfavor decreto de expulsão em aberto, o posicionamento adotado pela jurisprudência pátria, notadamente dos Tribunais Superiores, foi, durante muito tempo, no sentido de negar a progressão de regime nessas situações:
Felizmente, um novo panorama, ao que tudo indica, vem sendo desenhado nos últimos anos. A título de prova, convém lembrar que o STJ, recentemente, firmou posição no sentido de que a mera circunstância de o estrangeiro se encontrar em situação irregular no país “não é motivo suficiente para inviabilizar os benefícios da execução penal”, sendo irrelevante a existência de processo ou decreto de expulsão em desfavor do indivíduo para fins de análise do cabimento da progressão de regime (a propósito: STJ, AgRg no HC 321.157/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 05/04/2016, DJe 18/04/2016).
Avançando na discussão, o Supremo Tribunal Federal já asseverou que o fato de o indivíduo condenado por tráfico de drogas ser estrangeiro, encontrar-se preso, não possuir domicílio no Brasil e ser objeto de processo de expulsão, não impede a progressão de regime de cumprimento da pena (STF, HC 97147, 2ª T., j. 4-8-2009, rel. Min. Ellen Gracie, rel. p/ acórdão Min. Cezar Peluso, DJe 11-2-2010).
Exegese diversa, consoante já afirmado, feriria de morte o comando constitucional da igualdade. Ademais, representaria grave afronta ao princípio de humanidade da pena, ao qual a diferenciação entre o nacional e o estrangeiro não pode se sobrepor, pois, do contrário, como observa Paulo César BUSATO (Execução penal e cidadania global: a tratativa discriminatória da progressão de regime para o estrangeiro no Brasil. Revista dos Tribunais, v. 892, p. 377, São Paulo, fev. 2010), tal hipótese “implicaria negar exatamente [ao estrangeiro] sua condição de pessoa humana”.
De mais a mais, o argumento de que a progressão de regime poderia frustrar os fins da expulsão cuida-se, em verdade, de premiar a ineficiência estatal, a qual não pode servir de empecilho para que o indivíduo usufrua dos direitos que lhe são assegurados. De todo modo, nada impede sejam adotadas medidas acautelatórias, a exemplo do monitoramento eletrônico (STJ, HC 324.231/SP, Rei. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA. QUINTA TURMA, julgado em 03/09/2015, DJe 10/09/2015).
Precisamente acerca da progressão do regime fechado para o semiaberto, recorda Alexis Couto de Brito que este último “não possui como característica a saída do estabelecimento”, o que rechaça eventuais argumentos de insucesso da execução em razão da fuga (Op cit., p. 72). Independente disso, a questão alusiva à (ir)regularidade do estrangeiro em solo brasileiro envolve matéria de ordem administrativa, que não pode suplantar o campo criminal, haja vista a independência entre ambas as esferas (Cf., ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução penal [livro eletrônico] : teoria e prática / Rodrigo Duque Estrada Roig. – 5. ed. – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021).
Derradeiramente, cumpre ressaltar que os argumentos acima esposados não se restringem à obtenção da progressão do regime, podendo ser ampliados para alcançar outros direitos previstos na LEP, a exemplo do livramento condicional, porquanto o art. 132 da referida lei, bem como o disposto no art. 83 do CP, não fazem vedação de tal ordem.
Conseguintemente, atendidos os pressupostos legais, deverá ser concedido o livramento, sob pena de violação do princípio da legalidade; notadamente porque, se a lei não proíbe tal concessão, a conclusão natural só pode ser a de que ela admite.
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