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“O Brasil não é aberto aos estrangeiros”, afirma autor de livro sobre imigração e impren

  • FP Co Digital fpcodigital@gmail.com
  • 7 de fev. de 2022
  • 4 min de leitura

Reportagem ouviu especialistas no tema, e um deles diz que assassinato do jovem congolês Moïse Kabagambe, que será lembrado em mais um protesto neste sábado (5), coloca em xeque ideia de que somos um povo acolhedor com imigrantes

por Daniel Israel, via EU, RIO

“Conheci um economista congolês que falava francês, lingala, português e inglês. Sonhava ser contratado como tradutor na Rio2016, mas só conseguiu vaga como voluntário. Um administrador virou faxineiro. Chadrac, formado em hotelaria, carregava pedras em troca de 60 reais por dia.”

Este é um dos tuítes da sequência postada dias atrás pelo jornalista Caio Barretto Briso, que esteve em contato com congoleses radicados no Rio para produzir matérias abordando as condições de vida dessa comunidade. Uma dessas pessoas que ele conheceu foi Moïse Mugenyi Kabagambe, assassinado aos 24 anos, em um quiosque na Praia da Barra da Tijuca, na noite de 24 de janeiro.

A prisão de três acusados que aparecem agredindo o jovem indefeso, a pauladas e amarrando o corpo de Moïse com uma corda, além de golpes de jiu-jitsu – um dos presos disse em depoimento à Polícia Civil que pratica a arte marcial -, não arrefeceu a comoção em torno do episódio, que ganhou repercussão internacional. Neste sábado (5), a partir das 10h, será realizado novo protesto à memória do jovem, exigindo justiça, em frente aos quiosques Biruta e Tropicália; relatos da família, investigações da Polícia Civil e do Ministério Público do Trabalho e a cobertura da imprensa têm revelado que o rapaz se dividia entre os dois locais de trabalho, em condições precárias.

Integrante do Diaspotics, grupo de pesquisa da Escola de Comunicação da UFRJ que estuda a relação entre migração e TICs (Tecnologias da Informação e Comunicação), o jornalista Otávio Cezarini Ávila cita a proximidade entre duas formas de discriminação.

“É muito claro, e isso a gente tem visto nas pesquisas, denúncias que temos feito acerca desses temas, que a xenofobia está sempre próxima ao racismo. Em muitos casos, também o que a gente chama de aporofobia, recusa do pobre no espaço público e em seus espaços de cidadania”, destaca Otávio, coordenador do blog “O Estrangeiro”, vinculado ao grupo de pesquisa.

Mitos (re)velados

Com uma tese de doutorado sobre os 200 anos de cobertura da imprensa a respeito da imigração no Brasil, outro jornalista disseca ideias consolidadas, porém, na opinião dele, descoladas da realidade. Autor de “Dois séculos de imigração no Brasil”, Gustavo Barreto não tem dúvida quando afirma que “o Brasil não é aberto aos estrangeiros”.

“A história do Brasil é caracterizada pelo embranquecimento e pela exploração de trabalhadores considerados úteis apenas enquanto mão-de-obra barata. Se eles [imigrantes] não cumprem esses itens de raça, trabalho, são indesejáveis e, portanto, podem ser eliminados, isso é uma ideia que o Brasil abraçou até o governo de Vargas”, lembra ele, que acrescenta.

Pesquisador reforça diferenças na política imigratória do Brasil ao longo da República, enquanto reflete sobre o assassinato de Moïse Kabagambe (acima). Foto: Reprodução/Facebook

“O Brasil não é aberto aos estrangeiros, em termos de porcentagem da população. No final do século 20, o IBGE fez um cálculo de que 10% da população têm alguma influência estrangeira. Hoje, nós temos menos de 2% de estrangeiros. Eles têm que dar a sua contribuição e ficar na deles, então o Moïse é um representante entre milhares no Brasil, que sempre existiram, foram deixados de lado, violentados, alvo de políticas públicas racistas. O Moïse é só, infelizmente, uma continuidade num país que se acha aberto”, lamenta.

A partir da análise feita por Gustavo, destacando a cobertura da imprensa sobre imigração no país de 1808 a 2008, as palavras de Otávio adquirem contornos de clamor social.

“Esse triste caso traz mais uma oportunidade para que a imprensa possa ouvir migrantes, refugiados. Dê espaço para que eles possam falar não só das dores que os afetam quando uma desgraça acontece, mas por processos anteriores: desafios da migração, riqueza cultural e econômica que trazem para o nosso país, testemunhos de vida baseados em superação, solidariedade, espírito comunitário”, destaca.

“Tenho certeza de que essas formas de visibilidade contribuem no aumento da cidadania, não violência, para que a gente possa aprender a respeitar essas pessoas que trazem diferenças ricas para a sociedade brasileira”, assegura ele.

Assista, no vídeo abaixo, às declarações que o jornalista Otávio Cezarini Ávila gravou com exclusividade para o Portal Eu, Rio!


Já na cronologia histórica traçada por Gustavo, cujo livro em dois volumes foi lançado em 2019, pela editora Appris, além de “imagem e papel social dos estrangeiros na imprensa” – como diz o subtítulo da primeira metade -, são pontuadas prioridades e omissões na condução da política imigratória pelos governos brasileiros. Com semelhanças que vão do início da República Velha à Era Vargas.

“Enquanto os negros não tinham política pública de incentivo, os imigrantes passaram parte da história do Brasil, até os anos 20 pelo menos, com apoio à imigração, compra de máquinas, doação de terras e facilitação de compra de terras. A gente não tinha legislação, era tudo feito por contratos, os contratos eram desrespeitados o tempo todo”, analisa.

“Uma das conclusões que me lembra a questão é que parte das pessoas ficam surpresas quando a gente se depara com um caso de violência contra os estrangeiros”, pontua Gustavo.

Ex-professor da UFRJ, ele relembra situações recentes que, de alguma forma, ajudam a entender o que levou ao assassinato de Moïse num país como o Brasil.

“Por volta de 2013, 2014, os haitianos, que naquela época eram por volta de 50 mil, por conta do terremoto, estavam sendo explorados de uma forma abusiva e visível em muitas cidades, aí formulações na imprensa – de denúncias, evidentemente – falando que o haitiano custava menos do que o chinês. Também teve o [caso] de Pacaraima (RR), de incêndios em acampamentos dos venezuelanos e a expulsão efetiva por parte de um grupo da população local que ameaçou e acompanhou os venezuelanos até o outro lado da fronteira”, detalha.

A pesquisa realizada por Gustavo Barreto no doutorado pode ser consultada aqui.

Nota conjunta assinada pelas organizações que apoiam migrantes e refugiados em todo o mundo. Imagem: Divulgação/Acnur Revolta social

Imagem Principal: Imigrantes africanos em trabalho informal em Porto Alegre (2015). Créditos: DWL, Nagel

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