Makendro Loute registrou boletim de ocorrência após ser abordado por segurança no início deste mês; a Polícia Civil investiga o caso
por Juliane Guerreiro, via ND Mais
“Eu estou bem, mas ainda estou pensando nisso. Passar na frente e ver a segurança, olhar pra eles, me deixa mal”. Semanas após denunciar um caso de xenofobia em uma empresa de Joinville, no Norte de Santa Catarina, o imigrante haitiano Makendro Loute não esquece o que viveu.
Tudo aconteceu no dia 6 de outubro, quando ele estava saindo da Britânia Eletrodomésticos, empresa em que trabalha como auxiliar de produção no bairro Pirabeiraba. Makendro conta que deixava o turno quando foi abordado por uma segurança.
“Ao entrar e sair, é obrigatório passar pela segurança e tirar a touca. Só que naquele momento eu esqueci. Ela falou para eu tirar, mas não escutei. Foi quando o meu colega me avisou e eu tirei a touca. Porém, escutei ela falando ‘esses haitianos aí’ e continuou, mas não ouvi o resto”, conta.
Após a situação, ele ficou em frente à segurança esperando que a encarregada viesse para denunciar o caso. Quando a profissional chegou, disse que ele poderia ir embora e que o caso seria resolvido mais tarde.
“Depois, eles me chamaram para conversar, mas nada se resolveu porque não tinha testemunhas. Meu amigo que estava comigo escutou quando ela falou sobre haitianos, mas não entendeu tudo”, diz Makendro. A segurança continua trabalhando no local.
Um boletim de ocorrência foi aberto pelo imigrante e, segundo o delegado Rodrigo Bueno Gusso, responsável pelo caso, um inquérito foi instaurado. “Inicialmente vou ouvir a vítima e, depois, analisar quem mais será ouvido. Se for configurado crime, o suposto autor será indiciado e caberá ao Ministério Público denunciar o caso à Justiça”, destaca o delegado.
Inquérito foi aberto pela Polícia Civil para apurar a denúncia de xenofobia – Foto: Divulgação/Polícia Civil/ND
O crime de xenofobia está previsto pelo artigo 140 do Código Penal, que fala sobre o ato de injuriar alguém ofendendo a dignidade ou o decoro usando elementos referentes a origem, entre outros. A pena é de reclusão de um a três anos, além de multa.
A reportagem ligou para a Britânia Eletrodomésticos em Joinville, onde foi informada de que deveria entrar em contato com a equipe de marketing em Curitiba. Porém, a empresa não atendeu o telefone após uma série de tentativas. O espaço segue aberto.
“Isso não acaba nunca”, diz imigrante haitiano
Diante de tudo, Makendro pensou em não denunciar o caso, mas o mal que a situação causou a ele fez com que registrasse a denúncia. “Eu seria capaz de deixar quieto, mas fiquei ruim. Passei o dia todo mal, não dormi, chorei, estava triste”, fala.
Morando em Joinville há cerca de dois anos, ele tem esposa e um filho recém-nascido e, apesar de querer Justiça sobre o caso, tem pouca esperança sobre uma mudança estrutural na sociedade.
“Isso não acaba nunca. Mesmo que a gente não ouça, vão falar entre eles. A gente pensava que era bem-vindo, mas tem pessoas para as quais não somos. Quando cheguei, escutei gente falando que os haitianos vinham roubar serviço”, lamenta.
Com 30 anos, o imigrante haitiano nunca havia passado por situação parecida no Brasil, embora já tivesse ouvido casos de xenofobia de amigos e familiares que também moram no país. “Como não vou ligar para algo assim?”, questiona a respeito da hipótese de não denunciar o caso.
Joinville já registrou outros casos de xenofobia
Após a migração de haitianos para o Brasil ser intensificada a partir de 2010, quando um terremoto matou cerca de 300 mil pessoas no país caribenho, muitos imigrantes vieram para Joinville.
E por aqui, outros casos de xenofobia foram registrados. Em 2016, uma pixação com a frase “o Haiti não é aqui” no muro de uma empresa da região central foi denunciada pelo Movimento Negro Maria Laura e pelo Centro dos Direitos Humanos Maria da Graça Braz.
Frase com conotação xenofóbica foi pichada em Joinville, em 2016 – Foto: Arquivo/ND
De acordo com a Polícia Federal, responsável pelas questões de migração no país, entre 2017 e 2020, mais de 30 mil haitianos pediram refúgio no Brasil, número menor apenas que o de imigrantes venezuelanos, que somam 132,5 mil pedidos de refúgio.
Em 2020, segundo dados do Caged disponíveis em relatório da PF, foram criados quase 24 mil postos de trabalho para imigrantes no mercado formal. Destes, 13 mil foram ocupados por haitianos, com destaque para Santa Catarina, que registrou a contratação de cerca de 4 mil imigrantes do Haiti.
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Imagem: Makendro conta que deixava o turno quando foi abordado por uma segurança. Makendro denunciou caso de xenofobia em uma empresa de Joinville – Foto: Makendro Loute/Arquivo pessoal
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