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Em meio a série de crises globais, aumenta a busca por trabalho voluntário de apoio a refugiados no

Organizações que oferecem oportunidades de voluntariado afirmam que conflitos como os da Síria, Afeganistão e, mais recentemente, Ucrânia levaram a maior interesse, mas especialistas apontam para casos de ‘empatia seletiva’

SÃO PAULO — Na esteira das recentes crises humanitárias globais, como a derivada da guerra na Ucrânia, veio um rastro de destruição, mas também de solidariedade. E as atenções para o drama dos refugiados, pessoas forçadas a deixar suas casas em virtude de perseguições, conflitos armados ou violações de direitos humanos, se intensificaram no mundo — inclusive no Brasil. Organizações que trabalham com o tema no país relatam aumento no interesse dos brasileiros pela causa. A procura por voluntariado nessa área e a demanda de empresas pela contratação de refugiados têm crescido nos últimos meses.

Segundo a plataforma Atados, referência para busca de voluntariado, a pesquisa por apoio a refugiados estava em 18º lugar em janeiro. Passou para 15º em fevereiro, quando começou a invasão russa à Ucrânia, e para 12º no mês passado. A evidência da tragédia com os refugiados ucranianos aproximou as pessoas da questão social. E a causa do refúgio, que normalmente ficava bem atrás na procura dos brasileiros em relação às mais tradicionais, como fome, crianças, mulheres, entre outras, ganhou algumas posições por conta do noticiário recente.

— O interesse cresceu junto com o agravamento de um problema que é global. Tivemos a guerra na Síria, a crise na Venezuela, os conflitos no Afeganistão (com a volta do Talibã) e agora a Ucrânia — explica Daniel Morais, fundador da Atados.

Quando se deparam com eventos como esses, afirma ele, as pessoas percebem que podem ter ação social. Por aqui, episódios como o do congolês Moïse Kabagambe, morto em janeiro no Rio, também aumentaram o foco sobre a população de refugiados e migrantes.

Depois desse caso, cresceu a procura por voluntariado na Missão Paz, em São Paulo, diz seu coordenador, padre Paolo Parise. E a própria agência da ONU para os Refugiados (Acnur) relata aumento da demanda de cobertura sobre o tema no Brasil, com mais entrevistas em relação há três meses, maior procura de empresas para contratação de refugiados e engajamento nas redes sociais. 

A Estou Refugiado, em São Paulo, também registra alta de interessados. Uma delas é a advogada Mariana Balazs Zaiantchick, de 28 anos, que começou o voluntariado no escritório da ONG há um mês. 

— É uma causa que permite trabalhar com uma abrangência de temas. Envolve pessoas que passam por situações de violência, de fome, de violência doméstica — diz ela, que planeja fazer carreira na área humanitária. 

Ao lado de Gustavo Henrique de Assis Rodrigues, de 36 anos, também voluntário, ela ajuda na área de documentação e pesquisa e na relação com estudantes e universidades que desejam se aprofundar no tema.

— É um trabalho de formiguinha — diz Gustavo. — Quanto mais houver atenção a essa causa, mais fácil será combater o preconceito, a xenofobia, conhecer a dor do outro.

Foi se reconhecendo no outro que a advogada Jeanne Magliano, de 55 anos, começou o voluntariado na Casa Dom Luciano/Fundação Fé e Alegria, que atende venezuelanos. Começou dando aulas de português remotamente e hoje faz assessoria jurídica gratuita aos migrantes recém-chegados.

— Meus bisavós paternos também foram refugiados. Vieram da Itália, na Segunda Guerra, e cresci com essa ideia do que era vir fugido de uma guerra, no porão de um navio, sem falar o idioma, com a família dividida — conta. — Sempre quis fazer algo relacionado a esse tema e sou muito grata pela oportunidade.

Para além dos ucranianos

A fundadora e diretora da Estou Refugiado, Luciana Capobianco, estima ainda um aumento de cerca de 30% nos últimos dois meses de empresas interessadas em informações sobre como contratar refugiados.

— Na guerra da Síria não havia tanta informação compartilhada. Agora certamente houve um aumento da sensibilização das pessoas para o tema — afirma ela. — Há mais empresas querendo saber como contratar refugiados, e muitas nos perguntam: “E os ucranianos, já estão aqui?”.

Estão, mas ainda são poucos, segundo dados do Ministério da Justiça e do Ministério das Relações Exteriores. Entre 3 e 31 de março, o Brasil concedeu 74 vistos humanitários a ucranianos e 62 autorizações de residência, sendo 27 por acolhida humanitária. Mas esse universo é muito mais amplo no país e engloba mais de 57 mil pessoas refugiadas reconhecidas, além de milhares de outras solicitantes. Venezuelanos são a maioria (46.412) entre os refugiados reconhecidos até 2020, segundo o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), seguidos dos sírios (3.594) e congoleses (1.050). 

Professora e fotógrafa afegã Mahboba Rezayi, de 27 anos, espera que maior interesse no tema de refúgio no Brasil ajude a conseguir emprego em sua área. Foto: Maria Isabel Oliveira / Agência O Globo

Professora e fotógrafa afegã Mahboba Rezayi, de 27 anos, espera que maior interesse no tema de refúgio no Brasil ajude a conseguir emprego em sua área. Foto: Maria Isabel Oliveira / Agência O Globo

De uma leva mais recente, afegãos que fugiram da retomada do Talibã, no ano passado, também começam a chegar e podem se beneficiar do maior foco nos temas de refúgio. Entre eles está a professora e fotógrafa Mahboba Rezayi, de 27 anos. Com a retomada do Talibã no Afeganistão, ela perdeu o emprego e viu seu país mudar radicalmente. Em novembro, ela deixou Herat, no Oeste, com o marido e outros três afegãos. O grupo chegou ao Brasil por meio de uma campanha internacional que envolveu a Estou Refugiado. Mahboba começou a estagiar na ONG há duas semanas, e espera que o maior interesse no tema se reflita também em mais oportunidades de trabalho na sua área. PUBLICIDADEhttps://0668620a20f687a39b016a665e510744.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

— É o mais difícil desde que cheguei — afirma. — As pessoas são amistosas, é uma das razões pelas quais gosto do Brasil, mas trabalho é fundamental.

Para Laura Lopes, coordenadora no Adus, Instituto de Reintegração dos Refugiados, o interesse pelo tema só tende a crescer no país.

— Não é algo pontual. Há muitos temas em evidência que causam a migração e despertam o interesse das pessoas. (O foco) está numa crescente — afirma ela, que também relata aumento na busca por voluntários e empresas.

Há um lado negativo, porém, que se revela junto à evidência e engajamento recentes.

— Por vezes se manifesta uma empatia seletiva — conta. — Já atendemos empresas que queriam contratar por nacionalidade, e dissemos que não fazemos esse tipo de encaminhamento. Entre ucranianos, afegãos, africanos ou venezuelanos, o que há são pessoas extremamente qualificadas.

Matéria: Elisa Martins.

Imagem: Gustavo Rodrigues, 36 anos, coordenador de pesquisas e voluntário e Mariana Balasz Zaiantchik, 28 anos Foto: Maria Isabel Oliveira / Agência O Globo

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